
    Por          Luna Negra
                                 ...Desde          tempos imemoriais, as bruxas e feiticeiras têm
          sido retratadas no imaginário popular como mulheres velhas, feias          e más. Para muitas pessoas, porém, essa é uma visão          distorcida e estereotipada que jamais correspondeu à realidade,          tendo sido resultado de séculos de repressão judaico-cristã,          que promoveu a perseguição, tortura e execução          de milhares de mulheres (e também de muitos homens) acusadas de          bruxaria.          iiiAs temidas bruxas medievais seriam, na          verdade, simples mulheres camponesas, que por viverem em intenso contato          com a natureza, eram conhecedoras das ervas medicinais, que podiam tanto          curar como também matar. Conheciam as ervas abortivas e contraceptivas,          o que as permitia exercerem livremente sua sexualidade, fato que por si          só já era considerado crime e pecado. Possuiam uma cultura          pré-cristã, e a crença em deusas e deuses pagãos,          sendo por isso identificadas como hereges pelas autoridades eclesiásticas.     
    
hhAs raízes da bruxaria remontam ao          período paleolítico - 100.000 a 10.000 a.c. - quando a humanidade          cultuava os aspectos de fertilidade e fecundidade da Mãe Terra,          aquela que gera a vida. Para os povos do paleolítico, a Terra era          sagrada e misteriosa, pois dela nasciam os grãos, os frutos, os          animais e os humanos. O papel do homem na fecundação ainda          era totalmente desconhecido, e por isso a mulher era vista como um ser          mágico, digno de profundo respeito e admiração, pois,          como a Terra, era por si mesma capaz de gerar e nutrir a vida. Acredita-se          que nessa época a humanidade vivia em comunidades matrilineares,          onde havia, sobretudo, uma profunda igualdade entre os sexos, anterior          às desigualdades de gênero impostas socialmente. 
         
lllO aspecto feminino teria sido, então,          divinizado, estabelecendo-se assim o culto da Deusa, a grande mãe,          que consistia basicamente de ritos e símbolos de fertilidade. Através          de danças mágicas, transes xamânicos e desenhos de          animais em grutas e cavernas, assegurava-se a fecundidade das espécies          humana e vegetal. Já o aspecto masculino era representado por um          Deus Cornudo, o senhor das caçadas e das coisas selvagens. 
.          ggCom o passar dos séculos, o surgimento das sociedades          patriarcais impôs a necessidade de uma crença que assegurasse          a dominação masculina. O culto da Deusa foi aos poucos sendo          suprimido pelas religiões judaico-cristãs, que enfatizavam          a existência de um único Deus masculino, e destinavam às          mulheres um papel subalterno. A perseguição aos seguidores          da Deusa começou lentamente, chegando ao ápice na idade          média, quando a Igreja Cristã assumiu totalmente sua misoginia          (aversão ao sexo feminino) levando-a ás ultimas conseqüências:          a Inquisição. Estima-se que entre quinhentas mil e nove          milhões de pessoas - das quais oitenta por cento eram mulheres          - foram mortas nas fogueiras da Inquisição. As principais          vítimas eram portadores de deficiências físicas ou          mentais, homossexuais, artistas, livres-pensadores, parteiras e curandeiras,          e todas as mulheres jovens e idosas que fossem independentes da autoridade          masculina.
    fffApós o fim das perseguições,          no século XVIII, a chamada "era das luzes", a atitude          para com a bruxaria basicamente se inverteu. O que antes era punido pela          Igreja com tortura e morte passou a ser desacreditado pelo racionalismo          científico emergente. Apenas no final do século XIX, com          o nascimento da antropologia, é retomado o interesse pelo pensamento          e praticas mágicas, considerados como a forma mais antiga de experiência          espiritual da humanidade.
    
hhSir James Frazer, com a publicação          de O Ramo Dourado, coletânea de magia, mitologia e folclore          universal, faz com que diversos antropólogos e folcloristas voltem          seus interesses para a questão da magia. Influenciada          pela obra de Frazer, a antropóloga Margaret Murray lança,          em 1921, o célebre livro The Witch Cult In Western Europe,          no qual relaciona os sabbats - assembléias de bruxas - descritos          nos processos inquisitoriais , com os antigos ritos pagãos de fertilidade          que, tendo sobrevivido na Europa até a idade moderna, teriam sido          distorcidos pela mentalidade católica, transformados em "culto          ao demônio".A maioria dos estudos sobre magia e feitiçaria,          entretanto, trata o pensamento mágico como característica          exclusiva de povos "primitivos", ou de grupos considerados marginais          nas sociedades, tais como os pagãos europeus, os povos africanos          e indígenas. Na maioria das vezes, a análise parte da perspectiva          do "colonizador". No caso particular da feitiçaria medieval,          por exemplo, as pesquisas historiográficas baseiam-se quase que          exclusivamente em documentos e processos inquisitoriais, assumindo assim          o ponto de vista dos perseguidores, dedicando pouco ou nenhum interesse          às crenças e práticas dos perseguidos, como demonstra          o historiador italiano Carlo Ginzburg em História Noturna.          Segundo ele, as antigas crenças pagãs são tratadas          pela maioria dos estudiosos como simples superstições, esquisitices,          fantasias, histeria feminina. Influenciados pelo funcionalismo antropológico,          tais estudos não procuram entender a dimensão simbólica          das crenças.
         
ggEm          1951, com a queda das últimas leis anti-feitiçaria na Inglaterra,          famílias e grupos pagãos - chamados de covens - que preservaram          as antigas tradições, passando-as secretamente de geração          à geração, começam a reaparecer socialmente,          divulgando essa antiga cultura, agora adaptada para o século XX.
         Nesse contexto, o ressurgimento da bruxaria ocorre em grande parte devido          à influência dos movimentos contra-culturais, ecológicos          e feministas. A contracultura, movimento de caráter fortemente          libertário, questionava radicalmente os valores da cultura ocidental,          especialmente o racionalismo científico predominante. Se por um          lado expressava-se a insatisfação e oposição          à cultura vigente, buscava-se,
          por outro lado, novas formas de pensamento e relacionamento com o mundo,          tanto nos campos político e científico, como também          nos campos culturais, artísticos e espirituais.          ...Essa ligação entre contracultura          e bruxaria reflete-se em seu caráter individualista e libertário,          uma vez que sua característica mais marcante é a inexistência          de hierarquias, dogmas, mandamentos, livros sagrados ou líderes          religiosos. A diversidade cultural e a criatividade individual são          a base de todos os trabalhos mágicos. A bruxaria incorpora elementos          provenientes de diferentes culturas, desde grupos caçadores e coletores          pré-históricos até sociedades indígenas e          africanas contemporâneas, passando pelo paganismo indiano, egípcio,          grego, romano, celta, etc. Sua diretriz básica é faça          o que quiser, desde que não prejudique ninguém.
         ...Existem, entretanto, alguns princípios          comuns às suas diferentes tradições culturais. São          eles: a imanência, a ligação e a comunidade. Imanência          significa que todo ser vivo da terra, que a natureza, a cultura e a vida          em toda a sua diversidade são manifestações da Deusa,          sendo portanto, sagrados. A ligação é a compreensão          de que todos os seres do cosmo se inter-relacionam, vivendo em interação          como parte de um único organismo vivo. A visão de comunidade          significa que na bruxaria não se aspira à salvação          individual, mas sim às transformações coletivas da          cultura e da sociedade. A comunidade pagã integra não somente          as pessoas, como também os animais, as plantas, o solo, as águas          e o ar.
    
...Atualmente, muitas bruxas envolvem-se          em lutas políticas, ecológicas e sociais, reivindicando          igualdade entre os sexos, respeito e cuidado com a Terra e com seus habitantes.          Como uma cultura 
pagã,          ou seja,ligada à terra, a bruxaria possui como prioridades a responsabilidade          e o comprometimento com a natureza e todas as suas manifestações;          e a necessidade de se construir novos modelos de cultura, não mais          baseados em relações de poder, como atualmente é          feito em nossa sociedade ocidental, cristã e patriarcal, onde há          o domínio da economia sobre a natureza, do homem sobre a mulher,          dos ricos sobre os pobres, e de Deus sobre a humanidade. A identidade          de uma bruxa, portanto, não se constrói apenas através          da realização de feitiços e rituais, nem do culto          a deusas e deuses, mas sim através de um modo de vida alternativo          e consciente, de uma filosofia pagã ativa que incentive formas          radicalmente novas de pensamento e ação para a transformação          da sociedade em que vivemos atualmente, pois para que ocorram mudanças          sociais efetivas, os mitos e símbolos de nossa cultura devem ser          transformados.                   BIBLIOGRAFIA:
       BARROS,          Maria Nazareth Alvim de. As Deusas, as Bruxas e a Igreja: Séculos          de Perseguição. Rio de Janeiro. Rosa dos Tempos, 2001
       EHRENREICH,          Bárbara e ENGLISH, Deirdre. Witches, Midwives and Nurses:          A History of Women Healers. New York. The Feminist Press/University          of New York, 1973.
       ELIADE,          Mircea. História das Crenças e Idéias Religiosas.          Rio de Janeiro. Zahar, 1978
       FRAZÃO,          Márcia. O Gozo das Feiticeiras. Rio de Janeiro. Bertrand          Brasil, 1999
     FRAZER, Sir James George. La Rama Dorada-Magia y Religion.          México. Fondo
    de Cultura Económica, 1943
    GINZBURG, Carlo. História Noturna: Decifrando o Sabá.          São Paulo. Cia das
    Letras, 1991
    
       STARHAWK.          A Dança Cósmica das Feiticeiras. Rio de Janeiro.          Record - Nova Era, 2001 
          Texto          e contexto
         Para compreendermos os significados da dança, devemos considerar          além do contexto social, cultural e histórico em que ela          ocorre, o texto expresso pelos movimentos corporais realizados...
         A visão de mundo dos diferentes grupos sociais molda a forma de          suas danças, que podem ser entendidas como composições          rítmicas de movimentos corporais não-verbais, intencionais,          organizados culturalmente a partir da perspectiva do performer,          que usualmente é compartilhada pelo público. 
       Potencial          simbólico
         Não se trata, portanto, de uma atividade motora qualquer, mas sim          de movimentos específicos, dotados de valores estéticos          e potenciais simbólicos inerentes. Um símbolo é algo          que condensa um certo número de associações de idéias          dentro de determinado sistema de significados. 
         Os símbolos expressos na dança a tornam uma forma através          da qual as pessoas representam-se para si mesmas e para os outros. Por          isso ela possui um papel importante nas identificações étnicas,          por exemplo.
       Dança          como linguagem
         Das pesquisas sobre cognição, emoção e comunicação          não-verbal, sabemos que as imagens cinéticas da dança          são como uma linguagem, que requere as mesmas faculdades cerebrais          de conceituação, criatividade e memória, tal como          a linguagem verbal escrita e falada. Ambas possuem vocabulário          (passos e gestos na dança), gramática (regras para a junção          de vocabulário) e semântica. A dança, entretanto,          usualmente une esses elementos de uma maneira que se assemelha mais à          poesia, com seus significados múltiplos, simbólicos, emocionais          e alusivos. Mais do que uma linguagem universal, a dança representa          uma infinidade de linguagens e dialetos. 
       Multisensorialidade
         A dança e a música são multisensoriais, pois atraem          a atenção dos sentidos (visão, movimento, sonoridade)          e evocam respostas fisiológicas nos performers e nos observadores.          Músicos e dançarinos possuem a habilidade de alterar o tempo,          levando os indivíduos a estados alterados de consciência.          O performer movimenta-se ou produz sons intencionalmente, com o objetivo          de transmitir uma informação. Através da performance,          mensagens são enviadas.
       Artigo          baseado no texto Dance, de Judith Lynne Hanna. Traduzido e adaptado          por Luna Negra.
       
                
        
       A          maioria dos povos indígenas Mbyá-Guarani vive em          regiões litorâneas do sul e sudeste brasileiro. Suas práticas          xamânicas expressam-se fundamentalmente através da música.
     
A          arte indígena, da qual a música é parte fundamental,          deve ser entendida como uma expressão formal que se relaciona com          um conteúdo e um significado simbólico remetendo a referentes          exteriores, tais como a organização social, mitos e rituais.          Assim, as idéias e conceitos expressos musicalmente podem ser interpretados          de acordo com o sistema cultural no qual se inserem. A arte indígena          seria assim, um sistema de representações, que procura          explicar como a sociedade pensa a si própria e o mundo que a          rodeia, como também uma forma de identificação          étnica entre indivíduo e grupo.       O artesanato e o xamanismo são os principais elementos de preservação          da identidade étnica e da resistência contra os processos          aculturativos resultantes da intensa situação de contato          entre os Guarani e a sociedade regional civilizada, situação          que traz para os indígenas uma forte contradição          entre o ser e o deixar de ser índio.
       O xamanismo, para os Guarani, seria um dos elementos aglutinadores          do grupo enquanto expressão étnica, pois nele os indivíduos          encontram solidariedade tribal em termos de segurança, apoio,          auto-identificação, etc.Ou          seja, a dimensão xamânica corresponde quase que totalmente          à dimensão étnica e cultural da vida Guarani. A música          e a dança são as mais férteis possibilidades para          o entendimento do seu universo. Seus significados refletem a cultura,          o modo de vida e a visão de mundo Guarani.
       Os rituais xamânicos realizados diariamente nas aldeias guarani-mbyá          dividem-se em dois momentos: o xondaro, uma espécie          de aquecimento e preparação do corpo, e o porahéi,          os cantos e danças que têm como principal objetivo pedir          por paz a todos os indígenas e também aos brancos que querem          ajudá-los.
       O xondaro é uma dança que se relaciona à          defesa, fazendo parte do cotidiano das aldeias. Segundo o indígena          Timóteo Popygua, ele é praticado para "desviar, para          dançar, para ter equilíbrio e para ter saúde".          É, ao mesmo tempo, uma dança e uma luta, que forma os guerreiros          para cuidar da aldeia.
       Através dos cânticos rituais, é possível ir          ao encontro dos ancestrais criadores, e junto a eles atuar pela manutenção          da vida na terra. O canto, a dança e a execução dos          instrumentos musicais são ações oferecidas pelos          ancestrais míticos como condição para a sobrevivência          na e da Terra e como via de reencontro com eles.
       O papel central da música na sociedade Guarani é mostrado          no mito segundo o qual Ñamandu, o deus Sol, antes de criar          a Terra, concebeu primeiramente a linguagem humana. Em segundo lugar,          criou o fundamento da relação social baseada na solidariedade,          e em terceiro lugar o canto ritual, para somente depois criar o mundo          e seus habitantes humanos.
       A música Guarani consiste de ritmo (dado principalmente pelo tambor          e chocalho) e melodia (tocada pelo violão e pela rabeca), sendo          cantada em coro. É importante destacar o papel fundamental dos          instrumentos musicais, considerados como seres vivos devido ao seu caráter          invocatório, capaz de despertar a atenção dos deuses,          fazendo com que eles, lá em sua morada, escutem os Guarani, e vejam          o quanto eles estão alegres, cantando e dançando aqui na          Terra, e sua habilidade de ensinar os cantos para os ouvintes.          No contexto xamânico Guarani a música é sempre acompanhada          da execução instrumental, pois não é somente          a palavra que é valorizada nos rituais Guarani, mas também          a musicalidade é fundamental ao se proferi-la e escutá-la.
       Os instrumentos musicais, para os povos indígenas da América          do Sul, são tidos freqüentemente como objetos que incorporam          um poder identificado com diversas espécies de espíritos,          seres ou grupos de pessoas.
       As letras das músicas falam do caráter sagrado da 
música          e da dança, e do papel fundamental do ritual na manutenção          da sociedade Guarani. Estão sempre presentes os temas da luta pela          Terra, da organização social Guarani, dos criadores míticos          Nãnderu e Nãndexy, dos deuses do Sol (Nãmandu,          verdadeiro pai de tudo o que existe na Terra, pois sem ele nada poderia          viver e crescer) e do Trovão (Tupã) e, principalmente,          da busca da Terra Sem Males, o paraíso mítico Guarani,          onde não há morte, existe comida em abundância e se          vive de acordo com os antigos costumes. Sua localização          a leste, além do Oceano (para rovai), influenciou as migrações          Guarani em direção ao litoral, nos séculos XIX e          XX.
     Para atingir a Terra Sem Males (yvý marãey)          os indivíduos devem libertar-se do peso físico, através          das danças e cantos rituais, atingindo, assim, a leveza do corpo          e da alma.
     É através do ritual que os Guarani acreditam que lhes seja          revelado o caminho para leste, a direção do Sol nascente,          e esta é uma das razões pelas quais os rituais são          sempre realizados voltados para o Sol.
     O xamanismo pode ser considerado, portanto, como o principal núcleo          de resistência indígena ao processo de aculturação,          pois os traços essenciais da cultura Guarani constituem-se nos          elementos dos discursos cosmológicos. Assim, devido a essa intima          relação entre música, cosmologia e identidade étnica,          as danças e cantos xamânicos são vistos como um meio          de resgate da memória e expressão de resistência aos          processos aculturativos que esse povo há muito tempo vêm          sofrendo. 
                 BIBLIOGRAFIA:
       CHEROBIM,          Mauro. Os índios Guarani do litoral do Estado de São          Paulo: análise antropológica de uma situação          de contato. São Paulo. FFLCH/USP, 1986.
       MONTARDO,          Deise Lucy Oliveira. Através do mbaraka: música e xamanismo          Guarani.
     2002.Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação          em Antropologia Social, FFLCH/USP, São Paulo.
       NIMUENDAJU,          Curt. As lendas de criação e destruição          do mundo como fundamentos da religião dos Apapocuva-Guarani.          São Paulo. Edusp, 1987. 
       RIBEIRO,          Berta G. [org.]. Suma etnológica brasileira. vol.3 - Arte          índia. Petrópolis. Vozes, 1986
       SCHADEN,          Egon. Aspectos fundamentais da cultura Guarani. São Paulo.          EDUSP, 1974.
       DISCO
      Ñande Reko Arandu - Memória Viva Guarani.                


                                   
...A            música vista sob uma perspectiva antropológica, ou seja,            em estreita conexão com outras formas de cultura expressiva,            constitui o principal objeto de estudo da etnomusicologia. São            de fundamental importância para esses estudos as relações            entre som, imagem e movimento; a inserção da música            nas diferentes atividades sociais, e os múltiplos significados            decorrentes dessa interação.
       
...No contexto social, a música            é vista primeiramente como uma forma de comunicação,            uma linguagem não-verbal que possui significados próprios.            Através da música, os diferentes povos expressam suas            crenças e identidades. Ela é, ao mesmo tempo universal,            pois ocorre em todas as sociedades humanas, e singular, sendo específica            em cada sociedade, constituindo assim um complexo campo de investigação            para o saber antropológico.
           
..
.Segundo            A. Merriam, um dos fundadores dos estudos etnomusicológicos,            a música seria um meio de interação social, e o            fazer musical um comportamento humano culturalmente apreendido que possibilita            uma forma simbólica de comunicação entre indivíduo            e grupo. Por isso ele entendia a etnomusicologia como o estudo da            música na cultura, chegando depois a conclusão de            que ela seria, na verdade o estudo da música como cultura,            sendo o seu conceito de cultura entendido como o comportamento humano            aprendido e acumulado". Uma das principais características            da etnomusicologia é que seu objeto de estudo é a música            viva, de tradição oral. Não só apenas o            estudo da música, mas do ser humano que faz a música.            A música é considerada, portanto, muito mais do que um            mero fenômeno sonoro e acústico, sendo o aspecto sonoro            apenas uma parte da música.
            ...Enfatizamos também a importância            da performance 
musical            como um processo de significado social, capaz de gerar estruturas            que vão além de seus aspectos meramente sonoros. A            performance, com seus diferentes elementos (atores, interpretação,            comunicação corporal, elementos acústicos, texto            e enredo, significados lexicais, sintáticos e simbólicos)            seria uma maneira de viver experiências em determinada sociedade.            Assim, ao analisarmos a performance, identificamos paralelos entre as            manifestações expressivas e as respectivas estruturas            sociais, obtendo através da dramatização/representação            musical, uma leitura das questões sociais. É através            dela que podemos encontrar também a ritualização            do sagrado, apreendendo assim a relação entre a música            e as esferas mítica e espiritual.                             BIBLIOGRAFIA:
       MENEZES          BASTOS, Rafael José. A Festa da Jaguatirica: Uma partitura          crítico-interpretativa.1990. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação          em Antropologia Social, FFLCH/USP, São Paulo.
       OLIVEIRA          PINTO, Tiago de. Som e Música. Questões de uma Antropologia          Sonora. In: Revista de Antropologia vol. 44. São Paulo. FFLCH/USP,          2001.                  


                          ...A          música é a origem, a vida pulsante, a chama de nossa alma.          O som e os psicodélicos são uma poderosa combinação,          e quando a dança, o movimento e a vibração são          introduzidos, nós instantaneamente passamos a nos comunicar de          maneiras novas e desafiadoras com nós mesmos, e também com          uma infinidade de outras energias, entidades, idéias e emoções.          Superficialmente, o trance pode parecer uma atividade um tanto quanto          pessoal e íntima, mas através dele ocorrem muitos níveis          de comunicação entre diversas entidades, humanas ou não.
          ...A essência do experimento envolve          a linguagem secreta do som, dos psicodélicos e do movimento, e          a percepção tácita de que o ritual da dança          é o condutor inter-estelar para tais acontecimentos. Nós          criamos assim uma Zona Temporária Autônoma para que nossas          mentes investiguem os mistérios do universo, e como nossos distantes          ancestrais, novamente invocamos os espíritos das árvores          e do céu, da terra e do cosmos, para se unir a nós - como          se fossemos um só. Os antigos tambores da terra dançam com          os metálicos ritmos intergalácticos em uma alegre simbiose          enquanto os círculos sonoros se expandem e surpreendem nossa imaginação          com uma vibração consciente.
         
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..Nesse          desafiante mundo do acaso, pessoas de lugares distantes se encontram compartilhando          essas intensas surpresas, e aprendendo o poder do espaço místico          da dança. Há uma consciência pulsante compartilhando          compreensões arcaicas, revivendo tradições perdidas,          particularmente tradições não-escritas, todas elas          investidas de novas tecnologias. Nós estamos voltando a nos relacionar          fora da linguagem escrita, enfraquecendo nossa dependência absoluta          de encontrar significados apenas no mundo das palavras. Os emergentes          feiticeiros da imaginação entendem o campo da conexão          r-evolucionária, e sabem que essas experiências não          são propriedades ou produções de uma só pessoa          ou corporação, mas antes, são a manifestação          de uma comunidade. O conhecimento está além do consumismo,          do materialismo, do descontentamento, da alienação e da          auto-destruição associados ao estilo de vida industrial.          Nós estamos movendo uma energia juntos, como um só, ao invés          de opor nossas forças. Cada um de nós é uma onda,          expandindo-se continuamente, e aprendendo juntos como recriar maravilhosos          mitos.              ...Nossas          acomodadas culturas industriais praticamente negaram o relacionamento          direto com a terra, seus ciclos e estações, vendo cada vez          menos razão nisso. Nossas experiências com o som, os psicodélicos          e o ritual da dança inspiram a comunicação através          do fluxo e refluxo dos ritmos da terra, e deixam que estes penetrem nossas          emoções coletivas. Isso é um simples exercício          diante do imenso "poder" da mente de um grupo.
      
...Os aspectos resultantes dessa forma de          comunicação podem mudar nossa vida. O ritmo sincero do ritual          de dança trance é um dos mais libertadores métodos          de comunicação e auto-conhecimento que muitos ocidentais          já descobriram. Interações surpreendentes acontecem          através do movimento e da intensa luz do xamanismo psicodélico,          que podem nos jogar nos misteriosos reinos dos espíritos animais          ou da possessão alienígena.
         
...Os sons e os preciosos ritmos produzidos          pelos artistas trance e techno parecem cada vez mais intensos em sua habilidade          de comunicar os mais extraordinários pensamentos, sentimentos e          conhecimentos primais profundamente ressonantes. É a re-descoberta          "linguagem" da transcendência que nos transporta para          muitos lugares dentro e fora de nosso ser, alguns agradáveis, alguns          assustadores, mas todos sempre enriquecedores.
         Em florestas e matas essa transcendência mágica é          muito potente, quando as energias transformam-se e movem-se rapidamente          em volta das pessoas e do etéreo. Nós podemos nos tornar          pequenos "animais" investigando os aspectos primais, orgásticos          e instintivos de nossa natureza. Podemos encontrar-nos em vortexes espiralados          e ver as pessoas movendo-se com as outras como se todas fossem uma só          - completamente extasiadas e compartilhando um amor 
desconhecido.          Na música, oscilações entre "claro" e "escuro"          mostram que os feiticeiros sônicos estão em sintonia com          a universal jornada da vida - o ciclo de nascimento e morte. Esse é          o rito de passagem que a cultura ocidental há muito esqueceu. Essa          é a completa manifestação do ciclo de vida e morte          e renascimento, e nós estamos criando e compartilhando isso juntos.          Aprendendo as alegrias da divina contemplação, e compartilhando          o tesão da consciência com os outros. Esse é um poderoso          caminho para investigar o coração da escuridão, e          nós devemos deixar ela florescer apaixonadamente! São os          tabus e segredos que incentivam as "doenças" e o desequilíbrio.
          Nessa exploração de espaços misteriosos, com pontos          de partida e retorno, os sons podem ser tanto pontos de apoio como de          desestruturação. Depois dessas experiências, alguns          podem sentir-se incrivelmente "envelhecidos", não necessariamente          em termos de perda da vitalidade física, mas o processo de "exumação"          da realidade pode nos expor aos conhecimentos e as vulnerabilidades de          todas as antigas anciãs que já existiram. Para as comunidades          ocidentais, investigar as dimensões da mente humana pode ser considerado          ilegal, se não uma heresia. Entretanto, esse transcendentalismo          rítmico pode ser considerado como uma espécie de bungey          jump da mente.
         
...Explorar          todos os caminhos através dos quais nossa mente pode
          interagir com a realidade básica é liberador e auto-expansivo.          As transmissões sobrenaturais podem ser ativadas através          de psicodélicos e da escuridão, intensidade e movimento,          o que é freqüentemente proporcionado em alguns festivais.          O techno não é uma cultura homogênea. Procure as festas          apoiadas e povoadas por seus amigos freaks, e quando encontrá-las,          procure as festas onde a maioria das pessoas esteja utilizando psicodélicos          (não incluindo ecstasy) com a intenção de explorar          esse método muito iluminador da magia extática. Essa troca          de energia pode ser muito potente ao se projetar a manifestação          da mente coletiva, e quanto mais preparadas as pessoas estiverem para          vibrar, mais loucas e diversas serão as energias resultantes.
          ...Os ativistas anarco-techno entendem o          poder de conhecimento do trance, e podem usar muitas técnicas para          direcionar a energia da dança em certa direção. O          som, como foi discutido acima, é o elemento mais óbvio para          iniciar a jornada de conhecimento interno, mas os artistas também          têm enterrado cristais embaixo das áreas de dança,          usado arte visual extática, bem como visuais digitais (gerados          por computadores) e em particular, há muitas investigações          sobre a simbologia e iconografia das antigas tradições mágicas          e espirituais. Muito recentemente, me encontrei dançando numa pista          negra coberta por uma estrela de 22 pontas - talvez o artista seja um          cabalista - e eu logo me encontrei girando em uma comunhão orgiástica          com outros trancers. Esses festivais também podem proporcionar          um espaço para a exploração de designs geométricos          e de como eles podem afetar a consciência humana e o meio ambiente.          Freqüentemente oferecem também áreas de cura, incluindo          yoga, massagens, mind machines, aromaterapia, etc. Rituais de meditação,          sessões de tambores e cânticos frequentemente abrem e encerram          os festivais.          Vamos celebrar essa recém-encontrada consciência, e continuar          criando amorosamente esses playgrounds psicodélicos - o circo alienígena          chegou à cidade - onde os exploradores lúdicos completamente          possuídos pelo som, agitando e contorcendo-se selvagemente em uníssono          subitamente encontram suas mentes no mesmo redemoinho sônico. Todos          nós estamos vendo ou entendendo a experiência em muitas e          variadas formas mas há muitos momentos em que as poderosas energias          - forças vitais e espirituais e compreensões - são          criadas e trocadas com os que estão em volta. Uma vibração          de abertura e fraternidade é o mínimo que esses festivais          podem alcançar - essa é a linha de fundo. Quando unem suas          mentes nessa simbiose vibratória, os psiconautas podem ter uma          poderosa experiência explorando esses estados indescritíveis          do ser. 
       Texto          extraído do site erowid.          Traduzido e adaptado por luna negra.
       

                         O          universo é uma dança de energias, ritmos e harmonias, em constante transformação.          Entrar em transe é mudar e expandir nossa percepção, romper com os limites          de nossa mente socialmente condicionada. O transe significa a mudança          da consciência pela vontade. Caracteriza-se por estados de consciência          incomuns, que podem ser alcançados de diversas maneiras. Através de meditação,          hipnose, ou expansão da percepção com ajuda de substâncias alucinógenas.          Em todas as culturas podemos encontrar técnicas de transe, existindo uma          variedade infinita de tais estados de realidade incomum. Nos cânticos          rítmicos de um xamã, nos tambores africanos, nos festivais psicodélicos          e raves, podemos esquecer o mundo sensorial, alcançamos a visão extática,          assim como um sublime estado de encantamento, uma verdadeira visão astral.
                 Fragmento do livro The spiral dance, de starhawk
       adaptado          por luna negra

                         Fragmento          do livro O Tao da Física de Fritjof Capra
       ...Eu          estava sentado na praia, ao cair de uma tarde de verão, e observava          o movimento das ondas, sentindo ao mesmo tempo o ritmo da respiração.          Nesse momento, de súbito, apercebi-me intensamente do ambiente          que me cercava: este se me afigurava como se participasse de uma gigantesca          dança cósmica. Como físico, eu sabia que a areia,          as rochas, a água e o ar a meu redor eram feitos de moléculas          e átomos em vibração, e que tais moléculas          e átomos, por seu turno, consistiam em partículas que interagiam          entre si por meio da criação e da destruição          de outras partículas. Sabia do mesmo modo que a atmosfera da Terra          era permanentemente bombardeada por chuvas de "raios cósmicos",          partículas de alta energia que sofriam múltiplas colisões          à medida que penetravam na atmosfera. Tudo isso me era familiar          em razão de minha pesquisa em física de alta energia; até          aquele momento, porém, tudo isso me chegara apenas por intermédio          de gráficos, diagramas e teorias matemáticas. Sentado na          praia, senti que minhas experiências anteriores adquiriam vida.          Assim, "vi" cascatas de energia cósmica, provenientes          do espaço exterior, cascatas em que, com pulsações          rítmicas, partículas eram criadas e destruídas. "Vi"          os átomos dos elementos - bem como aqueles pertencentes à          meu próprio corpo- participarem dessa dança cósmica          de energia. Senti o seu ritmo e "ouvi" o seu som. Nesse momento          compreendi que se tratava da Dança de Shiva, o deus dos dançarinos,          adorado pelos hindus.