domingo, julho 30, 2006


Não dá para falar em cultura sem antes pensar em diversidade. Assim, não podemos dizer que existe uma cultura, mas inúmeras e diferentes culturas, subculturas e contraculturas. Neste post encontrarás informações sobre as expressões artísticas e culturais que inspiram o trabalho, provenientes de diferentes povos e grupos sociais. Do antigo xamanismo paleolítico, seus transes e danças espirais, à cultura psicodélica trance contemporânea, mostraremos como tudo interage e relaciona-se em uma mesma visão cósmica do universo, em constante movimento e transformação, enfatizando assim a necessidade de harmonia e respeito entre os povos da terra.


Por Luna Negra

...Desde tempos imemoriais, as bruxas e feiticeiras têm sido retratadas no imaginário popular como mulheres velhas, feias e más. Para muitas pessoas, porém, essa é uma visão distorcida e estereotipada que jamais correspondeu à realidade, tendo sido resultado de séculos de repressão judaico-cristã, que promoveu a perseguição, tortura e execução de milhares de mulheres (e também de muitos homens) acusadas de bruxaria.

iiiAs temidas bruxas medievais seriam, na verdade, simples mulheres camponesas, que por viverem em intenso contato com a natureza, eram conhecedoras das ervas medicinais, que podiam tanto curar como também matar. Conheciam as ervas abortivas e contraceptivas, o que as permitia exercerem livremente sua sexualidade, fato que por si só já era considerado crime e pecado. Possuiam uma cultura pré-cristã, e a crença em deusas e deuses pagãos, sendo por isso identificadas como hereges pelas autoridades eclesiásticas.

hhAs raízes da bruxaria remontam ao período paleolítico - 100.000 a 10.000 a.c. - quando a humanidade cultuava os aspectos de fertilidade e fecundidade da Mãe Terra, aquela que gera a vida. Para os povos do paleolítico, a Terra era sagrada e misteriosa, pois dela nasciam os grãos, os frutos, os animais e os humanos. O papel do homem na fecundação ainda era totalmente desconhecido, e por isso a mulher era vista como um ser mágico, digno de profundo respeito e admiração, pois, como a Terra, era por si mesma capaz de gerar e nutrir a vida. Acredita-se que nessa época a humanidade vivia em comunidades matrilineares, onde havia, sobretudo, uma profunda igualdade entre os sexos, anterior às desigualdades de gênero impostas socialmente.
lllO aspecto feminino teria sido, então, divinizado, estabelecendo-se assim o culto da Deusa, a grande mãe, que consistia basicamente de ritos e símbolos de fertilidade. Através de danças mágicas, transes xamânicos e desenhos de animais em grutas e cavernas, assegurava-se a fecundidade das espécies humana e vegetal. Já o aspecto masculino era representado por um Deus Cornudo, o senhor das caçadas e das coisas selvagens. .

ggCom o passar dos séculos, o surgimento das sociedades patriarcais impôs a necessidade de uma crença que assegurasse a dominação masculina. O culto da Deusa foi aos poucos sendo suprimido pelas religiões judaico-cristãs, que enfatizavam a existência de um único Deus masculino, e destinavam às mulheres um papel subalterno. A perseguição aos seguidores da Deusa começou lentamente, chegando ao ápice na idade média, quando a Igreja Cristã assumiu totalmente sua misoginia (aversão ao sexo feminino) levando-a ás ultimas conseqüências: a Inquisição. Estima-se que entre quinhentas mil e nove milhões de pessoas - das quais oitenta por cento eram mulheres - foram mortas nas fogueiras da Inquisição. As principais vítimas eram portadores de deficiências físicas ou mentais, homossexuais, artistas, livres-pensadores, parteiras e curandeiras, e todas as mulheres jovens e idosas que fossem independentes da autoridade masculina.
fffApós o fim das perseguições, no século XVIII, a chamada "era das luzes", a atitude para com a bruxaria basicamente se inverteu. O que antes era punido pela Igreja com tortura e morte passou a ser desacreditado pelo racionalismo científico emergente. Apenas no final do século XIX, com o nascimento da antropologia, é retomado o interesse pelo pensamento e praticas mágicas, considerados como a forma mais antiga de experiência espiritual da humanidade.

hhSir James Frazer, com a publicação de O Ramo Dourado, coletânea de magia, mitologia e folclore universal, faz com que diversos antropólogos e folcloristas voltem seus interesses para a questão da magia. Influenciada pela obra de Frazer, a antropóloga Margaret Murray lança, em 1921, o célebre livro The Witch Cult In Western Europe, no qual relaciona os sabbats - assembléias de bruxas - descritos nos processos inquisitoriais , com os antigos ritos pagãos de fertilidade que, tendo sobrevivido na Europa até a idade moderna, teriam sido distorcidos pela mentalidade católica, transformados em "culto ao demônio".A maioria dos estudos sobre magia e feitiçaria, entretanto, trata o pensamento mágico como característica exclusiva de povos "primitivos", ou de grupos considerados marginais nas sociedades, tais como os pagãos europeus, os povos africanos e indígenas. Na maioria das vezes, a análise parte da perspectiva do "colonizador". No caso particular da feitiçaria medieval, por exemplo, as pesquisas historiográficas baseiam-se quase que exclusivamente em documentos e processos inquisitoriais, assumindo assim o ponto de vista dos perseguidores, dedicando pouco ou nenhum interesse às crenças e práticas dos perseguidos, como demonstra o historiador italiano Carlo Ginzburg em História Noturna. Segundo ele, as antigas crenças pagãs são tratadas pela maioria dos estudiosos como simples superstições, esquisitices, fantasias, histeria feminina. Influenciados pelo funcionalismo antropológico, tais estudos não procuram entender a dimensão simbólica das crenças.

ggEm 1951, com a queda das últimas leis anti-feitiçaria na Inglaterra, famílias e grupos pagãos - chamados de covens - que preservaram as antigas tradições, passando-as secretamente de geração à geração, começam a reaparecer socialmente, divulgando essa antiga cultura, agora adaptada para o século XX.
Nesse contexto, o ressurgimento da bruxaria ocorre em grande parte devido à influência dos movimentos contra-culturais, ecológicos e feministas. A contracultura, movimento de caráter fortemente libertário, questionava radicalmente os valores da cultura ocidental, especialmente o racionalismo científico predominante. Se por um lado expressava-se a insatisfação e oposição à cultura vigente, buscava-se, por outro lado, novas formas de pensamento e relacionamento com o mundo, tanto nos campos político e científico, como também nos campos culturais, artísticos e espirituais.
...Essa ligação entre contracultura e bruxaria reflete-se em seu caráter individualista e libertário, uma vez que sua característica mais marcante é a inexistência de hierarquias, dogmas, mandamentos, livros sagrados ou líderes religiosos. A diversidade cultural e a criatividade individual são a base de todos os trabalhos mágicos. A bruxaria incorpora elementos provenientes de diferentes culturas, desde grupos caçadores e coletores pré-históricos até sociedades indígenas e africanas contemporâneas, passando pelo paganismo indiano, egípcio, grego, romano, celta, etc. Sua diretriz básica é faça o que quiser, desde que não prejudique ninguém.

...Existem, entretanto, alguns princípios comuns às suas diferentes tradições culturais. São eles: a imanência, a ligação e a comunidade. Imanência significa que todo ser vivo da terra, que a natureza, a cultura e a vida em toda a sua diversidade são manifestações da Deusa, sendo portanto, sagrados. A ligação é a compreensão de que todos os seres do cosmo se inter-relacionam, vivendo em interação como parte de um único organismo vivo. A visão de comunidade significa que na bruxaria não se aspira à salvação individual, mas sim às transformações coletivas da cultura e da sociedade. A comunidade pagã integra não somente as pessoas, como também os animais, as plantas, o solo, as águas e o ar.

...Atualmente, muitas bruxas envolvem-se em lutas políticas, ecológicas e sociais, reivindicando igualdade entre os sexos, respeito e cuidado com a Terra e com seus habitantes. Como uma cultura pagã, ou seja,ligada à terra, a bruxaria possui como prioridades a responsabilidade e o comprometimento com a natureza e todas as suas manifestações; e a necessidade de se construir novos modelos de cultura, não mais baseados em relações de poder, como atualmente é feito em nossa sociedade ocidental, cristã e patriarcal, onde há o domínio da economia sobre a natureza, do homem sobre a mulher, dos ricos sobre os pobres, e de Deus sobre a humanidade. A identidade de uma bruxa, portanto, não se constrói apenas através da realização de feitiços e rituais, nem do culto a deusas e deuses, mas sim através de um modo de vida alternativo e consciente, de uma filosofia pagã ativa que incentive formas radicalmente novas de pensamento e ação para a transformação da sociedade em que vivemos atualmente, pois para que ocorram mudanças sociais efetivas, os mitos e símbolos de nossa cultura devem ser transformados.

BIBLIOGRAFIA:

BARROS, Maria Nazareth Alvim de. As Deusas, as Bruxas e a Igreja: Séculos de Perseguição. Rio de Janeiro. Rosa dos Tempos, 2001

EHRENREICH, Bárbara e ENGLISH, Deirdre. Witches, Midwives and Nurses: A History of Women Healers. New York. The Feminist Press/University of New York, 1973.

ELIADE, Mircea. História das Crenças e Idéias Religiosas. Rio de Janeiro. Zahar, 1978

FRAZÃO, Márcia. O Gozo das Feiticeiras. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 1999

FRAZER, Sir James George. La Rama Dorada-Magia y Religion. México. Fondo
de Cultura Económica, 1943

GINZBURG, Carlo. História Noturna: Decifrando o Sabá. São Paulo. Cia das
Letras, 1991

STARHAWK. A Dança Cósmica das Feiticeiras. Rio de Janeiro. Record - Nova Era, 2001


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Texto e contexto

Para compreendermos os significados da dança, devemos considerar além do contexto social, cultural e histórico em que ela ocorre, o texto expresso pelos movimentos corporais realizados...
A visão de mundo dos diferentes grupos sociais molda a forma de suas danças, que podem ser entendidas como composições rítmicas de movimentos corporais não-verbais, intencionais, organizados culturalmente a partir da perspectiva do performer, que usualmente é compartilhada pelo público.

Potencial simbólico

Não se trata, portanto, de uma atividade motora qualquer, mas sim de movimentos específicos, dotados de valores estéticos e potenciais simbólicos inerentes. Um símbolo é algo que condensa um certo número de associações de idéias dentro de determinado sistema de significados.
Os símbolos expressos na dança a tornam uma forma através da qual as pessoas representam-se para si mesmas e para os outros. Por isso ela possui um papel importante nas identificações étnicas, por exemplo.

Dança como linguagem

Das pesquisas sobre cognição, emoção e comunicação não-verbal, sabemos que as imagens cinéticas da dança são como uma linguagem, que requere as mesmas faculdades cerebrais de conceituação, criatividade e memória, tal como a linguagem verbal escrita e falada. Ambas possuem vocabulário (passos e gestos na dança), gramática (regras para a junção de vocabulário) e semântica. A dança, entretanto, usualmente une esses elementos de uma maneira que se assemelha mais à poesia, com seus significados múltiplos, simbólicos, emocionais e alusivos. Mais do que uma linguagem universal, a dança representa uma infinidade de linguagens e dialetos.

Multisensorialidade

A dança e a música são multisensoriais, pois atraem a atenção dos sentidos (visão, movimento, sonoridade) e evocam respostas fisiológicas nos performers e nos observadores. Músicos e dançarinos possuem a habilidade de alterar o tempo, levando os indivíduos a estados alterados de consciência. O performer movimenta-se ou produz sons intencionalmente, com o objetivo de transmitir uma informação. Através da performance, mensagens são enviadas.
Artigo baseado no texto Dance, de Judith Lynne Hanna. Traduzido e adaptado por Luna Negra.

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A maioria dos povos indígenas Mbyá-Guarani vive em regiões litorâneas do sul e sudeste brasileiro. Suas práticas xamânicas expressam-se fundamentalmente através da música.

A arte indígena, da qual a música é parte fundamental, deve ser entendida como uma expressão formal que se relaciona com um conteúdo e um significado simbólico remetendo a referentes exteriores, tais como a organização social, mitos e rituais. Assim, as idéias e conceitos expressos musicalmente podem ser interpretados de acordo com o sistema cultural no qual se inserem. A arte indígena seria assim, um sistema de representações, que procura explicar como a sociedade pensa a si própria e o mundo que a rodeia, como também uma forma de identificação étnica entre indivíduo e grupo.
O artesanato e o xamanismo são os principais elementos de preservação da identidade étnica e da resistência contra os processos aculturativos resultantes da intensa situação de contato entre os Guarani e a sociedade regional civilizada, situação que traz para os indígenas uma forte contradição entre o ser e o deixar de ser índio.
O xamanismo, para os Guarani, seria um dos elementos aglutinadores do grupo enquanto expressão étnica, pois nele os indivíduos encontram solidariedade tribal em termos de segurança, apoio, auto-identificação, etc.Ou seja, a dimensão xamânica corresponde quase que totalmente à dimensão étnica e cultural da vida Guarani. A música e a dança são as mais férteis possibilidades para o entendimento do seu universo. Seus significados refletem a cultura, o modo de vida e a visão de mundo Guarani.
Os rituais xamânicos realizados diariamente nas aldeias guarani-mbyá dividem-se em dois momentos: o xondaro, uma espécie de aquecimento e preparação do corpo, e o porahéi, os cantos e danças que têm como principal objetivo pedir por paz a todos os indígenas e também aos brancos que querem ajudá-los.
O xondaro é uma dança que se relaciona à defesa, fazendo parte do cotidiano das aldeias. Segundo o indígena Timóteo Popygua, ele é praticado para "desviar, para dançar, para ter equilíbrio e para ter saúde". É, ao mesmo tempo, uma dança e uma luta, que forma os guerreiros para cuidar da aldeia.
Através dos cânticos rituais, é possível ir ao encontro dos ancestrais criadores, e junto a eles atuar pela manutenção da vida na terra. O canto, a dança e a execução dos instrumentos musicais são ações oferecidas pelos ancestrais míticos como condição para a sobrevivência na e da Terra e como via de reencontro com eles.
O papel central da música na sociedade Guarani é mostrado no mito segundo o qual Ñamandu, o deus Sol, antes de criar a Terra, concebeu primeiramente a linguagem humana. Em segundo lugar, criou o fundamento da relação social baseada na solidariedade, e em terceiro lugar o canto ritual, para somente depois criar o mundo e seus habitantes humanos.

A música Guarani consiste de ritmo (dado principalmente pelo tambor e chocalho) e melodia (tocada pelo violão e pela rabeca), sendo cantada em coro. É importante destacar o papel fundamental dos instrumentos musicais, considerados como seres vivos devido ao seu caráter invocatório, capaz de despertar a atenção dos deuses, fazendo com que eles, lá em sua morada, escutem os Guarani, e vejam o quanto eles estão alegres, cantando e dançando aqui na Terra, e sua habilidade de ensinar os cantos para os ouvintes. No contexto xamânico Guarani a música é sempre acompanhada da execução instrumental, pois não é somente a palavra que é valorizada nos rituais Guarani, mas também a musicalidade é fundamental ao se proferi-la e escutá-la.

Os instrumentos musicais, para os povos indígenas da América do Sul, são tidos freqüentemente como objetos que incorporam um poder identificado com diversas espécies de espíritos, seres ou grupos de pessoas.

As letras das músicas falam do caráter sagrado da música e da dança, e do papel fundamental do ritual na manutenção da sociedade Guarani. Estão sempre presentes os temas da luta pela Terra, da organização social Guarani, dos criadores míticos Nãnderu e Nãndexy, dos deuses do Sol (Nãmandu, verdadeiro pai de tudo o que existe na Terra, pois sem ele nada poderia viver e crescer) e do Trovão (Tupã) e, principalmente, da busca da Terra Sem Males, o paraíso mítico Guarani, onde não há morte, existe comida em abundância e se vive de acordo com os antigos costumes. Sua localização a leste, além do Oceano (para rovai), influenciou as migrações Guarani em direção ao litoral, nos séculos XIX e XX.
Para atingir a Terra Sem Males (yvý marãey) os indivíduos devem libertar-se do peso físico, através das danças e cantos rituais, atingindo, assim, a leveza do corpo e da alma.
É através do ritual que os Guarani acreditam que lhes seja revelado o caminho para leste, a direção do Sol nascente, e esta é uma das razões pelas quais os rituais são sempre realizados voltados para o Sol.
O xamanismo pode ser considerado, portanto, como o principal núcleo de resistência indígena ao processo de aculturação, pois os traços essenciais da cultura Guarani constituem-se nos elementos dos discursos cosmológicos. Assim, devido a essa intima relação entre música, cosmologia e identidade étnica, as danças e cantos xamânicos são vistos como um meio de resgate da memória e expressão de resistência aos processos aculturativos que esse povo há muito tempo vêm sofrendo.

BIBLIOGRAFIA:

CHEROBIM, Mauro. Os índios Guarani do litoral do Estado de São Paulo: análise antropológica de uma situação de contato. São Paulo. FFLCH/USP, 1986.

MONTARDO, Deise Lucy Oliveira. Através do mbaraka: música e xamanismo Guarani.
2002.Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, FFLCH/USP, São Paulo.

NIMUENDAJU, Curt. As lendas de criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos Apapocuva-Guarani. São Paulo. Edusp, 1987.

RIBEIRO, Berta G. [org.]. Suma etnológica brasileira. vol.3 - Arte índia. Petrópolis. Vozes, 1986

SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura Guarani. São Paulo. EDUSP, 1974.

DISCO
Ñande Reko Arandu - Memória Viva Guarani.

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...A música vista sob uma perspectiva antropológica, ou seja, em estreita conexão com outras formas de cultura expressiva, constitui o principal objeto de estudo da etnomusicologia. São de fundamental importância para esses estudos as relações entre som, imagem e movimento; a inserção da música nas diferentes atividades sociais, e os múltiplos significados decorrentes dessa interação.

...No contexto social, a música é vista primeiramente como uma forma de comunicação, uma linguagem não-verbal que possui significados próprios. Através da música, os diferentes povos expressam suas crenças e identidades. Ela é, ao mesmo tempo universal, pois ocorre em todas as sociedades humanas, e singular, sendo específica em cada sociedade, constituindo assim um complexo campo de investigação para o saber antropológico.

...Segundo A. Merriam, um dos fundadores dos estudos etnomusicológicos, a música seria um meio de interação social, e o fazer musical um comportamento humano culturalmente apreendido que possibilita uma forma simbólica de comunicação entre indivíduo e grupo. Por isso ele entendia a etnomusicologia como o estudo da música na cultura, chegando depois a conclusão de que ela seria, na verdade o estudo da música como cultura, sendo o seu conceito de cultura entendido como o comportamento humano aprendido e acumulado". Uma das principais características da etnomusicologia é que seu objeto de estudo é a música viva, de tradição oral. Não só apenas o estudo da música, mas do ser humano que faz a música. A música é considerada, portanto, muito mais do que um mero fenômeno sonoro e acústico, sendo o aspecto sonoro apenas uma parte da música.

...Enfatizamos também a importância da performance musical como um processo de significado social, capaz de gerar estruturas que vão além de seus aspectos meramente sonoros. A performance, com seus diferentes elementos (atores, interpretação, comunicação corporal, elementos acústicos, texto e enredo, significados lexicais, sintáticos e simbólicos) seria uma maneira de viver experiências em determinada sociedade. Assim, ao analisarmos a performance, identificamos paralelos entre as manifestações expressivas e as respectivas estruturas sociais, obtendo através da dramatização/representação musical, uma leitura das questões sociais. É através dela que podemos encontrar também a ritualização do sagrado, apreendendo assim a relação entre a música e as esferas mítica e espiritual.

BIBLIOGRAFIA:

MENEZES BASTOS, Rafael José. A Festa da Jaguatirica: Uma partitura crítico-interpretativa.1990. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, FFLCH/USP, São Paulo.

OLIVEIRA PINTO, Tiago de. Som e Música. Questões de uma Antropologia Sonora. In: Revista de Antropologia vol. 44. São Paulo. FFLCH/USP, 2001.

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...A música é a origem, a vida pulsante, a chama de nossa alma. O som e os psicodélicos são uma poderosa combinação, e quando a dança, o movimento e a vibração são introduzidos, nós instantaneamente passamos a nos comunicar de maneiras novas e desafiadoras com nós mesmos, e também com uma infinidade de outras energias, entidades, idéias e emoções. Superficialmente, o trance pode parecer uma atividade um tanto quanto pessoal e íntima, mas através dele ocorrem muitos níveis de comunicação entre diversas entidades, humanas ou não.
...A essência do experimento envolve a linguagem secreta do som, dos psicodélicos e do movimento, e a percepção tácita de que o ritual da dança é o condutor inter-estelar para tais acontecimentos. Nós criamos assim uma Zona Temporária Autônoma para que nossas mentes investiguem os mistérios do universo, e como nossos distantes ancestrais, novamente invocamos os espíritos das árvores e do céu, da terra e do cosmos, para se unir a nós - como se fossemos um só. Os antigos tambores da terra dançam com os metálicos ritmos intergalácticos em uma alegre simbiose enquanto os círculos sonoros se expandem e surpreendem nossa imaginação com uma vibração consciente.

...Nesse desafiante mundo do acaso, pessoas de lugares distantes se encontram compartilhando essas intensas surpresas, e aprendendo o poder do espaço místico da dança. Há uma consciência pulsante compartilhando compreensões arcaicas, revivendo tradições perdidas, particularmente tradições não-escritas, todas elas investidas de novas tecnologias. Nós estamos voltando a nos relacionar fora da linguagem escrita, enfraquecendo nossa dependência absoluta de encontrar significados apenas no mundo das palavras. Os emergentes feiticeiros da imaginação entendem o campo da conexão r-evolucionária, e sabem que essas experiências não são propriedades ou produções de uma só pessoa ou corporação, mas antes, são a manifestação de uma comunidade. O conhecimento está além do consumismo, do materialismo, do descontentamento, da alienação e da auto-destruição associados ao estilo de vida industrial. Nós estamos movendo uma energia juntos, como um só, ao invés de opor nossas forças. Cada um de nós é uma onda, expandindo-se continuamente, e aprendendo juntos como recriar maravilhosos mitos.

...Nossas acomodadas culturas industriais praticamente negaram o relacionamento direto com a terra, seus ciclos e estações, vendo cada vez menos razão nisso. Nossas experiências com o som, os psicodélicos e o ritual da dança inspiram a comunicação através do fluxo e refluxo dos ritmos da terra, e deixam que estes penetrem nossas emoções coletivas. Isso é um simples exercício diante do imenso "poder" da mente de um grupo.

...Os aspectos resultantes dessa forma de comunicação podem mudar nossa vida. O ritmo sincero do ritual de dança trance é um dos mais libertadores métodos de comunicação e auto-conhecimento que muitos ocidentais já descobriram. Interações surpreendentes acontecem através do movimento e da intensa luz do xamanismo psicodélico, que podem nos jogar nos misteriosos reinos dos espíritos animais ou da possessão alienígena.

...Os sons e os preciosos ritmos produzidos pelos artistas trance e techno parecem cada vez mais intensos em sua habilidade de comunicar os mais extraordinários pensamentos, sentimentos e conhecimentos primais profundamente ressonantes. É a re-descoberta "linguagem" da transcendência que nos transporta para muitos lugares dentro e fora de nosso ser, alguns agradáveis, alguns assustadores, mas todos sempre enriquecedores.

Em florestas e matas essa transcendência mágica é muito potente, quando as energias transformam-se e movem-se rapidamente em volta das pessoas e do etéreo. Nós podemos nos tornar pequenos "animais" investigando os aspectos primais, orgásticos e instintivos de nossa natureza. Podemos encontrar-nos em vortexes espiralados e ver as pessoas movendo-se com as outras como se todas fossem uma só - completamente extasiadas e compartilhando um amor desconhecido. Na música, oscilações entre "claro" e "escuro" mostram que os feiticeiros sônicos estão em sintonia com a universal jornada da vida - o ciclo de nascimento e morte. Esse é o rito de passagem que a cultura ocidental há muito esqueceu. Essa é a completa manifestação do ciclo de vida e morte e renascimento, e nós estamos criando e compartilhando isso juntos. Aprendendo as alegrias da divina contemplação, e compartilhando o tesão da consciência com os outros. Esse é um poderoso caminho para investigar o coração da escuridão, e nós devemos deixar ela florescer apaixonadamente! São os tabus e segredos que incentivam as "doenças" e o desequilíbrio.

Nessa exploração de espaços misteriosos, com pontos de partida e retorno, os sons podem ser tanto pontos de apoio como de desestruturação. Depois dessas experiências, alguns podem sentir-se incrivelmente "envelhecidos", não necessariamente em termos de perda da vitalidade física, mas o processo de "exumação" da realidade pode nos expor aos conhecimentos e as vulnerabilidades de todas as antigas anciãs que já existiram. Para as comunidades ocidentais, investigar as dimensões da mente humana pode ser considerado ilegal, se não uma heresia. Entretanto, esse transcendentalismo rítmico pode ser considerado como uma espécie de bungey jump da mente.

...Explorar todos os caminhos através dos quais nossa mente pode interagir com a realidade básica é liberador e auto-expansivo. As transmissões sobrenaturais podem ser ativadas através de psicodélicos e da escuridão, intensidade e movimento, o que é freqüentemente proporcionado em alguns festivais. O techno não é uma cultura homogênea. Procure as festas apoiadas e povoadas por seus amigos freaks, e quando encontrá-las, procure as festas onde a maioria das pessoas esteja utilizando psicodélicos (não incluindo ecstasy) com a intenção de explorar esse método muito iluminador da magia extática. Essa troca de energia pode ser muito potente ao se projetar a manifestação da mente coletiva, e quanto mais preparadas as pessoas estiverem para vibrar, mais loucas e diversas serão as energias resultantes.

...Os ativistas anarco-techno entendem o poder de conhecimento do trance, e podem usar muitas técnicas para direcionar a energia da dança em certa direção. O som, como foi discutido acima, é o elemento mais óbvio para iniciar a jornada de conhecimento interno, mas os artistas também têm enterrado cristais embaixo das áreas de dança, usado arte visual extática, bem como visuais digitais (gerados por computadores) e em particular, há muitas investigações sobre a simbologia e iconografia das antigas tradições mágicas e espirituais. Muito recentemente, me encontrei dançando numa pista negra coberta por uma estrela de 22 pontas - talvez o artista seja um cabalista - e eu logo me encontrei girando em uma comunhão orgiástica com outros trancers. Esses festivais também podem proporcionar um espaço para a exploração de designs geométricos e de como eles podem afetar a consciência humana e o meio ambiente. Freqüentemente oferecem também áreas de cura, incluindo yoga, massagens, mind machines, aromaterapia, etc. Rituais de meditação, sessões de tambores e cânticos frequentemente abrem e encerram os festivais. Vamos celebrar essa recém-encontrada consciência, e continuar criando amorosamente esses playgrounds psicodélicos - o circo alienígena chegou à cidade - onde os exploradores lúdicos completamente possuídos pelo som, agitando e contorcendo-se selvagemente em uníssono subitamente encontram suas mentes no mesmo redemoinho sônico. Todos nós estamos vendo ou entendendo a experiência em muitas e variadas formas mas há muitos momentos em que as poderosas energias - forças vitais e espirituais e compreensões - são criadas e trocadas com os que estão em volta. Uma vibração de abertura e fraternidade é o mínimo que esses festivais podem alcançar - essa é a linha de fundo. Quando unem suas mentes nessa simbiose vibratória, os psiconautas podem ter uma poderosa experiência explorando esses estados indescritíveis do ser.

Texto extraído do site erowid. Traduzido e adaptado por luna negra.

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O TRANSE

O universo é uma dança de energias, ritmos e harmonias, em constante transformação. Entrar em transe é mudar e expandir nossa percepção, romper com os limites de nossa mente socialmente condicionada. O transe significa a mudança da consciência pela vontade. Caracteriza-se por estados de consciência incomuns, que podem ser alcançados de diversas maneiras. Através de meditação, hipnose, ou expansão da percepção com ajuda de substâncias alucinógenas. Em todas as culturas podemos encontrar técnicas de transe, existindo uma variedade infinita de tais estados de realidade incomum. Nos cânticos rítmicos de um xamã, nos tambores africanos, nos festivais psicodélicos e raves, podemos esquecer o mundo sensorial, alcançamos a visão extática, assim como um sublime estado de encantamento, uma verdadeira visão astral.

Fragmento do livro The spiral dance, de starhawk

adaptado por luna negra

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"A DANÇA DE SHIVA"

Fragmento do livro O Tao da Física de Fritjof Capra

...Eu estava sentado na praia, ao cair de uma tarde de verão, e observava o movimento das ondas, sentindo ao mesmo tempo o ritmo da respiração. Nesse momento, de súbito, apercebi-me intensamente do ambiente que me cercava: este se me afigurava como se participasse de uma gigantesca dança cósmica. Como físico, eu sabia que a areia, as rochas, a água e o ar a meu redor eram feitos de moléculas e átomos em vibração, e que tais moléculas e átomos, por seu turno, consistiam em partículas que interagiam entre si por meio da criação e da destruição de outras partículas. Sabia do mesmo modo que a atmosfera da Terra era permanentemente bombardeada por chuvas de "raios cósmicos", partículas de alta energia que sofriam múltiplas colisões à medida que penetravam na atmosfera. Tudo isso me era familiar em razão de minha pesquisa em física de alta energia; até aquele momento, porém, tudo isso me chegara apenas por intermédio de gráficos, diagramas e teorias matemáticas. Sentado na praia, senti que minhas experiências anteriores adquiriam vida. Assim, "vi" cascatas de energia cósmica, provenientes do espaço exterior, cascatas em que, com pulsações rítmicas, partículas eram criadas e destruídas. "Vi" os átomos dos elementos - bem como aqueles pertencentes à meu próprio corpo- participarem dessa dança cósmica de energia. Senti o seu ritmo e "ouvi" o seu som. Nesse momento compreendi que se tratava da Dança de Shiva, o deus dos dançarinos, adorado pelos hindus.


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